O Cemitério do Campo Santo é uma necrópole situada no município brasileiro de Salvador.
O cemitério é conhecido pelas belas imagens de santos que se constitui um museu a céu aberto. É o mais antigo de Salvador e um dos mais antigos do Brasil, sendo o maior do norte, nordeste e centro-oeste do Brasil. Fica localizado no bairro da Federação. Nele se encontram as crípitas das mais elevadas personalidades do estado. Sua administração está aos cuidados da Santa Casa de Misericórdia da Bahia.
A construção de um local específico onde os vivos pudessem orar próximos a seus mortos consta do primeiro projeto de construção do Campo Santo, inaugurado em 1836. Criado para atender à demanda surgida com a proibição de sepultamentos em igrejas e conventos, o Campo Santo foi atingido no mesmo ano pelo movimento conhecido como "Cemiterada", quando foi invadido e quase totalmente destruído por adeptos de irmandades religiosas e simpatizantes. Durante esta invasão, além de todo o muro da frente, parte da capela foi derrubada.
A Santa Casa de Misericórdia adquiriu o Campo Santo em 1840, e no ano seguinte deu início às obras para reconstruí-lo. Devido à carência de recursos, foi somente em 1870 que se iniciou a construção da atual capela, projetada pelo arquiteto Carlos Croezy. Erguida em estilogótico e inaugurada em 6 de junho de 1874, a capela constitui-se no ponto de destaque do acervo arquitetônico do Campo Santo.
CAMPO DE CLASSES
A reprodução de diferenças sociais acompanha cadáveres até o abrigo da morte
Numa área marginal a ribanceira, com 5500m2, cerca de 1100 covas rasas atendem aos sepultamentos gratuitos do Campo Santo. As lápides funcionam como registro de um endereço para a eternidade e resumem o início e o fim de uma existência. Alguns têm as casas cobertas de heras, outros poderiam ser premiados com uma nova demão de tinta branca. Alguns partiram no ano passado, outros viveram pouco e deixaram pais saudosos de um maior convívio. Alguns foram sepultados há tão pouco tempo e já parecem tão abandonados.
As covas rasas estão nos fundos, escondidas dos olhos do visitante comum porque apresentam uma uniformidade triste, reduzem o cemitério a um mero local de aproveitamento de sete palmos de terra. Nas áreas mais visíveis, os mausoléus apresentam o contraponto estético e conceitual aos túmulos escavados no chão. “O cemitério é um duplo da cidade dos vivos, é como se fosse um prolongamento e um desdobramento. Então, vai-se encontrar no cemitério, além de toda a diferença de classes, a história das formas de viver e morrer na Bahia. O carneiro corresponde na Bahia ao aparecimento dos apartamentos e do apart hotel; o túmulo do casal corresponde ao sobrado, e o mausoléu às grandes mansões”, reflete o antropólogo Roberto Albergaria, que estende a associação até a tendência à cremação, que seria “uma onda de higienismo mais high tech”, com direito a uma desmaterialização asséptica.
“O Cemitério do Campo Santo é uma cidade em que se configura, de forma inusitada, a mesma divisão de classes que é vista numa cidade normal, com bairros de classes alta, média e baixa. Há também as periferias e as favelas, que são as covas rasas, as mesmas categorias sociais que se configuram nas cidades dos vivos”, opinou a professora de história da arte da Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Maria Vidal Camargo, quando perguntada sobre o tema para uma reportagem em 2003.
CAMPO DA ARTE
Transformação de cemitério em circuito cultural ressalta a beleza das obras nos túmulos
Um pequeno templo à saudade, um mausoléu erguido em brancas lajes, com uma capela de dimensões reduzidas, chama a atenção na lateral da igreja do cemitério. É a homenagem de um marido apaixonado feita ainda no Anno de Nosso Senhor Cristo de 1885: “à memória de sua esposa Hermínia Ferreira Santos Alliom mandou seu marido construir este jazigo”. A reverência de 120 anos atrás perdura e continua encantando. O imóvel é parte do Circuito Cultural, onde um totem explica que a capela gótica é construída em mármore de Carrara, concebida pelo genovês Ângelo Ortelli, em 1884.
Antes mesmo de receber o status de uma espécie de museu a céu aberto, o cemitério tinha virado centro de estudos interdisciplinares.
Alunos de arquitetura, belas artes, moda e, ultimamente, turismo visitam não para reverência a entes queridos que estejam sepultados, mas como pesquisa de campo.
Lucineide Bispo dos Santos percorre o Campo Santo como se participasse de um seminário. Com anotações em um papel, fotografias, ela vai finalizando o trabalho de conclusão de curso de Turismo na Faculdade São Salvador. Com as colegas Ana Patrícia Oliveira e Miriam Souza, resolveu fazer a monografia Campo Santo, um novo olhar sobre o turismo, abordando a prática como uma alternativa de atração de visitantes para Salvador. Descobriram que turistas de outros países estiveram recentemente no Campo Santo para apreciar as obras de arte sobre as lápides.
No Père-Lachaise, em Paris, no Lês Moreres, em Barcelona, e no Recoleta, em Buenos Aires, este filão já é explorado há anos. “Aqui nós temos um cemitério rico, de inestimável encanto. Vale a pena visitar não pelos mortos ilustres, mas pelas obras-primas”, recomenda Lucineide Bispo.
Patrícia Noelle e Alana Alves, ambas do 4º semestre de Decoração da Ufba, e Amine Barbuda, do 6º semestre de arquitetura, escolheram o local como cenário para um trabalho de faculdade. Elas fotografam formas e designs, vêem inspiração onde a maioria só percebe morbidez.
O impressionante acervo de estatuária e ornamentos fúnebres do Campo Santo reúne mais de 60 obras produzidas por artistas famosos e anônimos, com seus bustos e sinos de bronzes, estátuas em mármore do tipo carrara – algumas que chegam a ter cinco metros de altura – e mausoléus em diversos estilos como o clássico, neogótico e até em forma de pirâmide.Muitos dos mausoléus remetem às construções de estilo romano, outros mais sombrios fazem jus ao estilo neogótico. Houve muita dificuldade no trabalho de pesquisa para identificar a autoria das obras.
A mais famosa é a Estátua da Fé, do escultor alemão João Halbig a única obra tombada como patrimônio histórico nacional, que está no Campo Santo desde 1865. Com cinco metros de altura e toda em mármore carrara, a escultura foi comprada na Alemanha pelo marechal Alexandre Gomes d’Argolo, o Barão de Cajahiba. Ele queria homenagear o filho morto aos 21 anos de idade. Há também as esculturas das “virtudes teológicas”: Mulheres com óstia, âncora, cruz, vela, homens com bigornas e cálices, ou pá de pedreiros.
Socialização e arte
A museóloga Jane Palma, criadora e coordenadora do Circuito Cultural, precisou reorganizar as próprias convicções religiosas forjadas no candomblé para enxergar a riqueza da arte cemiterial. “Havia uma idéia errônea sobre transformar o cemitério em um museu. O circuito tem como objetivo desmistificar o espaço cemitério, tirar o peso e mostrar que não é apenas um local de adeus, dor e tristeza. Pode ser pesquisado e é de fundamental importância para a evolução urbana”.
Túmulo do senador Antonio Carlos Magalhães será integrado ao Circuito Cultural do Campo Santo
O corpo do senador Antonio Carlos Magalhães foi enterrado, na quadra 16 do Campo Santo, no jazigo perétuo da família ao lado dos filhos Ana Lúcia e Luis Eduardo, deputado federal morto em 98. No mesmo local, estão sepultados os pais do senador.
O túmulo de ACM será parte da lista do Circuito Cultural do Campo Santo, uma espécie de roteiro de visitas às obras da arte e mausoléus de personalidades históricas enterradas no local. O guia de visita conta uma parte da história da Bahia e destaca nomes como os do poeta Castro Alves, Edgard Santos, médico e reitor da Universidade Federal da Bahia, o jornalista Ernesto Simões Filho, e os governadores J.J Seabra, Manoel Victorino, Otávio Mangabeira. Na quadra 16 também está enterrado o médico, professor e articulista Thales de Azevedo.
A Estátua da Fé, tombada em 1938 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ergue-se imponente em tamanho natural sobre o mausoléu da família do Barão de Cajahyba. A obra esculpida em bloco único de mármore Carrara, com 1,92m de altura, é a identificação do Campo Santo em todo o mundo. A mulher veste uma túnica longa e um manto, tem uma coroa de louros na cabeça e segura uma cruz na mão direita, enquanto a esquerda é apontada para o céu. O trabalho se destaca pela simetria e proporcionalidade, em que a toga parece cair com leveza sobre o corpo feminino.
Os símbolos são de fácil associação: a mulher representa a fé, e a cruz a fé cristã, a coroa de louros significa vitória e o manto é uma proteção. O trabalho feito pelo alemão Johann von Halbig, em 1865, foi comprado por Alexandre Gomes Ferrão d´Argollo, o Barão de Cajahyba, na ocasião da morte do primogênito José Joaquim, de 20 anos, na Baviera. Em 1973, o monumento foi doado pela família ao Governo da Bahia. O Barão de Cajahyba, considerado um senhor de engenho cruel, responsável pela perversidade e castigos aos escravos, tornara-se um mecenas da mais significativa dádiva da arte tumular do estado.
Campo da alegria
O último sepultamento é marcado para 16h30, mas todos sabem que até as 17h sempre há trabalho. Há um ambiente de alegria, até mesmo com confraternizações depois do expediente e comemorações dos aniversariantes do mês. Em pleno santuário de reverência à morte, os aniversariantes são brindados com uma festinha, com direito a refrigerante, brigadeiro e tortas. Há vida no Campo Santo.
Ancelmo Menezes, o prefeito da cidade dos pés juntos, ganhou esse título honorífico dos conterrâneos de São Sebastião do Passe.
Ao contrário dos colegas que evitam falar que trabalham no cemitério, como se isso fosse denunciar alguma moléstia contagiosa, e geralmente despistam afirmando que são funcionários da Santa Casa de Misericórdia, ele assume a condição de supervisor do Campo Santo com a mesma empolgação com que alguém levanta a taça de campeão do torneio de futebol dos rodoviários. Há 13 anos, é dele a missão de intermediar interesses, fiscalizar o trabalho no campo e mais do que tudo colecionar as histórias que subvertem o sentido lúgubre do cemitério.
O cemitério é um local onde se guardam ossos e não jóias. Apesar desse princípio em que uma urna funerária pode ser qualquer coisa menos um cofre, muitos bens preciosos ou de valor meramente sentimental podem ser enterrados junto com um corpo. Basta uma escavação aos mais profundos esconderijos dos objetos para a surpresa e o encantamento.
São itens que falam muito sobre a vida e a personalidade do defunto, como colher de pedreiro, capacete, trena, luvas, no caso de operários enterrados nas covas rasas. Entre os fidalgos, garrafas de whisky ou destiladas para o caso de não existirem botequins no além. De meninas a senhoras, muitas são as que ficam com bonecas. Há os fanáticos que são acompanhados pelos artistas representados em discos e CDs. Só que os artigos mais utilizados neste tipo de homenagem fúnebre, de acordo com os coveiros, são camisas e bandeiras do Bahia.
Houve o piadista que ficou famoso entre os funcionários porque chegou para o enterro da mãe já contando uma lorota do papagaio. Assinou o contrato do jazigo emendando a última do português. No meio do velório, alguns parentes choravam e ele, filho da defunta, se divertia falando anedotas politicamente incorretas. O pior é que o homem tinha mesmo vocação para humorista e muitos não conseguiam reprimir um riso, mesmo que fosse constrangido com a situação.
Só antes do funeral, ele resolveu explicar que tinha feito um acordo com a mãe em estado terminal e que ela pedira para ter alegria na cerimônia, nem que fosse com ele contando piadas. O filho cumpriu com requintes de comicidade a promessa. Até o fechamento da sepultura animou a cena, enquanto os mais tradicionais continuavam as orações e mostravam o desconforto com o inusitado festival de chistes. Outros tentavam controlar o riso, mesmo sabendo que o filho estava apenas executando o último desejo da falecida e não treinando para a olimpíada mundial de exóticos.
Um tipo de humor involuntário foi o que ocorreu no enterro de um senhor fidalgo, funeral bastante concorrido, que virou lembrança fácil e rápida na cartilha de gafes decorada por coveiros e auxiliares. No meio da despedida, um dos amigos com aparência que tinha afogado a saudade em algumas garrafas de cachaça pediu a palavra para recordar o companheirismo que vinha desde a infância em comum com o ilustre.
E nas reminiscências juvenis do homem, ele desfilava memórias da época em que trocavam amabilidades do tipo “abaixa que lá vem p…”. O mal estar quase se transforma em gargalhadas dos funcionários, que precisaram disfarçar a vontade de rir. Uns e outros se esforçaram para abafar o discurso por demais afetuoso e tirar daquele ambiente o lastimoso amigo. É mais uma história concebida na morte, que enche de vida o Campo Santo.
A morte em castas
Os registros de sepultamentos no início das atividades do cemitério mostram a variedade que alguns utilizam como sinônimo de igualdade na morte. Além dos nomes e das datas de falecimento, dados como estado civil, profissão e causa da morte servem para identificar os cadáveres em cada degrau da pirâmide social. Domingos Borges de Barros, morto a 8 de maio de 1855, é identificado apenas como Visconde de Pedra Branca.
Já sobre Luiza Maria da Piedade, falecida em 10 de dezembro de 1860, sabemos que era preta, morreu aos 50 anos, phtyzica, solteira e oriunda da África. Em 26 de Abril de 1876, morreu de “moléstia interna” Estephania Adine, 43 anos, branca, Paris, irmã de caridade, em contraposição a Anna Rita, ceifada pela mesma causa mortis, com 20 anos, África, preta.
Até 1850, a situação física do Campo Santo não tinha qualquer planejamento paisagístico e estava longe de ser um espaço atrativo ao descanso eterno das classes mais abastadas. Só em 1846, dez anos após a cemiterada, o muro frontal que havia sido derrubado foi reconstruído.
Um relatório do mordomo do Campo Santo datado de 21 de julho de 1844 aborda as precariedades do espaço e remonta um ambiente que parecia ermo: “cumpre que se cuide em aformosear o cemitério, com plantações de arbustos e flores, e mandando-se buscar alguns túmulos de mármore para serem vendidos a quem os quiser, promovendo-se assim, sem muito custo, a adoção desses monumentos consagrados à dor e à saudade”.
Outro relatório, de 25 de julho de 1851, assinado pelo mordomo Manoel José de Magalhães e transcrito no livro Campo Santo – resumo histórico, dá uma noção de como evoluíra a ocupação na cidade dos mortos. “existem dois quadros, um mais novo que contém 458 sepulturas, das quais as mais antigas têm um ano; neste quadro é onde se enterram os cadáveres de pessoas livres; o quadro antigo contém 319 sepulturas, e nele já não existe nenhum lugar”.
Um dos trechos mais pitorescos trata da remuneração do capelão contratado para prestar serviços no cemitério. Além do salário, ele tinha que receber a alimentação do cavalo. “Existem dois empregados, sendo um o Capelão com o ordenado de 260 à $1000 que foi contratado para ir a seus enterros e missas; casa de morar, e um feixe de capim diário para sustento do seu cavallo; o outro é o Guarda com o ordenado de 300 à $2000. Convém que a Mesa mande fazer outro sumidouro; casa de morada para o Guarda.”
Histórico comercial
A vocação comercial do Campo Santo é iniciada antes mesmo da construção do equipamento. A Fazenda São Gonçalo fora comprada por 6 contos de réis pela empresa Augusto Pereira de Matos & Cia, que obtivera concessão para administrar o cemitério pelo prazo de 30 anos. A Lei n° 17 da Assembléia Provincial da Bahia, datada de 2 de junho de 1835, estabelecia “privilégio exclusivo” para a empresa Cemitérios da Cidade.
Menos do que um ato de filantropia, a idéia de construir o cemitério já se revelava uma astuta visão comercial. Um dos sócios da empresa, Caetano Silvestre da Silva, acenava com possibilidades de lucros inescapáveis de acordo com a pesquisa feita pelo historiador João José Reis, no livro A Morte é uma Festa: “O dr. Caetano Silvestre da Silva, em 1836, era juiz de Direito da 1ª Vara Cível e cuidava dos bens de pessoas mortas sem testamento e/ou sem herdeiros e julgava as disputas sobre partilha de heranças.
Com acesso privilegiado a dezenas de inventários, ele certamente pôde transmitir a seus sócios as informações exatas sobre o potencial lucrativo de uma empresa funerária na Salvador de 1836”.Quinze dias depois da lei provincial, o contrato de concessão entre o Governo Provincial e a empresa estava assinado.
A construção foi iniciada imediatamente como uma forma de sufocar a oposição ao privilégio de exploração exclusiva. A idéia era concluir a obra em um ano, com uma capela central, túmulos e jazigos para famílias de posses, além de covas rasas para os pobres. Como contrapartida, os empresários exigiram que o governo impusesse uma multa de 100 mil réis para quem fizesse sepultamentos em conventos, mosteiros ou confrarias.
Os representantes de irmandades e paróquias foram justamente os primeiros a se pronunciarem contra a concessão. Um abaixo-assinado foi encaminhado ao presidente da província, Francisco de Sousa Paraíso, exigindo a revogação da lei 17. O principal argumento era ter vencido o prazo de um ano, já que era outubro de 1836.
Detalhe da Porta de Bronze:
O mausoléo da Família Odebrecht é todo em concreto armado, revestido de Hera, com porta de bronze entalhada pelo artistica plastico Carybé. O Projeto geral é da arquiteta Lina Bo Bardi e foi feito em 1955. Em cima do caixote fica um jardim, símbolo do paraíso celestial, ao qual só se tem acesso por uma porta e escada muito estreitas, que lembram as dificuldades e empecilhos que precisam ser vencidos para o alcançar.
Onde fica: O Cemitério fica no Bairro da Federação;
na Rua: Caetano Moura, s/n_Alto das Pombas.
Texto retirado dos sites:
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